quarta-feira, 15 de maio de 2013

Maestro Barreto

Jornal Algo a Dizer

 

 Por Angela Leite de Souza

 

      Quem lê apenas o título talvez pense: aí vem mais um livrinho sobre as vozes do animais. Provavelmente não viu bem no alto da capa o nome do autor – Antonio Barreto. Porque este é garantia de alta performance poética. Assim, a “Orquestra bichofônica” publicada como livro infantojuvenil pelo ‘Aaatchim! Editorial’, um novo selo da ‘Dubolsinho’, não chega a ser surpreendente para quem conhece a obra desse poeta colecionador de prêmios. Antes, vem confirmar mais uma vez seu talento, capaz de seduzir o leitor qualquer seja sua faixa etária.
     Tudo começa pela embalagem produzida por Sebastião Nuvens, outra reconhecida fera, tanto no campo da palavra como da imagem: o galo, que regerá a orquestra do título, é a ilustração da capa e vinheta que emoldura as páginas, contra um céu nublado e indeciso entre aurora e crepúsculo. Nesse clima onírico, Barreto faz deitar e rolar sua criatividade, dando à luz termos como desinício, mesmundo, sombriluz, ressol-rechão, solócio, desespelho com uma propriedade e uma desenvoltura de dar inveja.


    Nada é previsível nesta sua narrativa poética, ou prosipoema, ou poelivro. O prelúdio dessa sinfonia animal é um acordar sonolento e encantado, em que sonhos humanos se misturam a suspiros e lágrimas lunares. Tem início a brincadeira com a sonoridade das palavras e suas imensas possibilidades semânticas: “...será que a Lua / hoje em dia já sabe / digitar estrelas / para telefonar?”, indaga o poeta, lúdico e atual. E prossegue criando versos e expressões iluminados como “azuis travesseiros / de nuvens sem fronha”, “ tinteiro-arrebol”, “nuvens rascunhas”, “se refaz de conta”. Não satisfeito, põe na boca da Lua perguntas existenciais em bom mineirês – “ondistou, dondivim, oncotô, prondivou...?”
      Mas é quando o maestro começa a reger sua “estranhíssima orquestra” que a inventividade do autor deslancha de vez e, entre risos e espantos diante dos achados poéticos, vamos devorando os versos, curiosos para descobrir o papel de cada bicho-instrumento. Com muita graça, Barreto escolhe ritmos e gêneros que caem feito luva nos animais, usando rimas e aliterações que dão ao seu longo poema a cadência de uma execução musical. Cabe, no entanto, a cada leitor saborear esse ludismo verbal tão bem engendrado e tão necessário ao público-alvo do livro, para o qual abre as infinitas  possibilidades  de uso da palavra e da língua.
      O final desse concerto sui generis não fica atrás dos “movimentos” que o compõem. Porém, tão bom quanto ler mais um grande texto de Antonio Barreto é degustar, na última página, sua autobiografia – enganosamente simples e divertida. Porque o poeta, sofisticadíssimo em seu processo de criação, acaba admitindo a própria maestria quando admite não ter nenhum dom musical: “Acho que foi por isso que escrevi este livro – pra mostrar a mim mesmo que posso tocar esse instrumento difícil chamado ‘palavrafone’.”

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Angela Leite de Souza é escritora e ilustradora, filiada à AEILIJ – Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil –, à Abipro – Associação Brasileira de Ilustradores Profissionais e à FNLIJ – Fundação Nacional de Literatura Infantil e Juvenil.

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