Quem lê apenas o título talvez pense: aí vem mais um livrinho
sobre as vozes do animais. Provavelmente não viu bem no alto da capa o
nome do autor – Antonio Barreto. Porque este é garantia de alta
performance poética. Assim, a “Orquestra bichofônica” publicada como
livro infantojuvenil pelo ‘Aaatchim! Editorial’, um novo selo da
‘Dubolsinho’, não chega a ser surpreendente para quem conhece a obra
desse poeta colecionador de prêmios. Antes, vem confirmar mais uma vez
seu talento, capaz de seduzir o leitor qualquer seja sua faixa etária.
Tudo começa pela embalagem produzida por Sebastião Nuvens, outra
reconhecida fera, tanto no campo da palavra como da imagem: o galo, que
regerá a orquestra do título, é a ilustração da capa e vinheta que
emoldura as páginas, contra um céu nublado e indeciso entre aurora e
crepúsculo. Nesse clima onírico, Barreto faz deitar e rolar sua
criatividade, dando à luz termos como desinício, mesmundo, sombriluz,
ressol-rechão, solócio, desespelho com uma propriedade e uma
desenvoltura de dar inveja.
Nada é previsível nesta sua narrativa poética, ou prosipoema, ou
poelivro. O prelúdio dessa sinfonia animal é um acordar sonolento e
encantado, em que sonhos humanos se misturam a suspiros e lágrimas
lunares. Tem início a brincadeira com a sonoridade das palavras e suas
imensas possibilidades semânticas: “...será que a Lua / hoje em dia já
sabe / digitar estrelas / para telefonar?”, indaga o poeta, lúdico e atual. E prossegue criando versos e
expressões iluminados como “azuis travesseiros / de nuvens sem fronha”, “
tinteiro-arrebol”, “nuvens rascunhas”, “se refaz de conta”. Não
satisfeito, põe na boca da Lua perguntas existenciais em bom mineirês –
“ondistou, dondivim, oncotô, prondivou...?”
Mas é quando o maestro começa a reger sua “estranhíssima orquestra”
que a inventividade do autor deslancha de vez e, entre risos e espantos
diante dos achados poéticos, vamos devorando os versos, curiosos para
descobrir o papel de cada bicho-instrumento. Com muita graça, Barreto
escolhe ritmos e gêneros que caem feito luva nos animais, usando rimas e
aliterações que dão ao seu longo poema a cadência de uma execução
musical. Cabe, no entanto, a cada leitor saborear esse ludismo verbal
tão bem engendrado e tão necessário ao público-alvo do livro, para o
qual abre as infinitas possibilidades de uso da palavra e da língua.
O final desse concerto sui generis não fica atrás dos
“movimentos” que o compõem. Porém, tão bom quanto ler mais um grande
texto de Antonio Barreto é degustar, na última página, sua autobiografia
– enganosamente simples e divertida. Porque o poeta, sofisticadíssimo
em seu processo de criação, acaba admitindo a própria maestria quando
admite não ter nenhum dom musical: “Acho que foi por isso que escrevi
este livro – pra mostrar a mim mesmo que posso tocar esse instrumento
difícil chamado ‘palavrafone’.”
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